quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"A Itália está pior do que a Argentina, esse país à beira da ruína"


Anistia fiscal italiana tirou bilhões da Suíça

A anistia fiscal italiana terminou terça-feira, 15 de dezembro. O balanço oficioso é estimado em 100 bilhões de euros repatriados para a Itália.

Cinco bilhões de euros entram diretamente no caixa do Estado italiano. A operação foi bem-sucedida para Roma, mas dolorosa para a praça financeira suíça.

Mesmo se não há dados oficiais disponíveis por enquanto na Itália, especialistas já afirmam que o escudo III (terceira anistia fiscal italiana desde 2001), foi um sucesso e deve ultrapassar as previsões do governo italiano, que contava com receitas fiscais de 4 bilhões de euros em 2010.

O balanço da operação orquestrada pelo ministro italiano das Finanças e da Economia, Giulio Tremonti, vai além do montante total das somas repatriadas das Suíça nas duas precedentes anistias italianas.

Nas anistias de 2001 e 2003, 25 bilhões de euros saíram dos bancos suíços (aproximadamente 80% de Lugano, sul da Suíça). Quase 19 bilhões de euros foram regularizados junto ao fisco italiano (Agenzia delle Entrate), mas continuaram sob gestão na Suíça.

Fator crise

Vários fatores explicam o sucesso da ofensiva italiana. A maioria dos fraudadores do fisco italiano depositam seu dinheiro na Suíça, particularmente no estado do Ticino (sul). Em sua maioria, eles são do norte da Itália, da Lombardia e do Piemonte. Geralmente são empresários e donos de pequenas e médias empresas.

Depois da crise dos mercados financeiros, os bancos italianos deixaram de injetar dinheiro na economia nacional. "Para enfrentar a crise de liquidez, a única alternativa para alguns foi recuperar capital depositado no estrangeiro", explica Franco Citterio, diretor da Associação de Bancos do Ticino (ABT).

O fator medo

"As operações ostensivas montadas por Giulio Tremonti e amplamente abordadas pela imprensa italiana fizeram com que as pessoa ficassem desconfiadas", afirma Emanuelle Stauffer, advogado em Lugano e ex-procurador do Ticino.

Ele acrescenta "que as pessoas temem muito pelo futuro, porque sabem que os inspetores do fisco italiano obtiveram grande quantidade de informações".

O advogado suíço refere-se às operações policiais em dezenas de bancos e instituições financeiras italianas com alguma ligação com a Suíça, algumas semanas atrás. A polícia italiana filmava a fronteira entre os dois países e interpelou clientes italianos de bancos suíços.

Com as pressões, os supostos fraudadores italianos preferiram aproveitar de uma taxa vantajosa (5% do capital declarado) até 15 de dezembro, ao invés de ser pego posteriormente nas malhas da Justiça, que os ameaça como multas exemplares.

O exemplo do UBS

Também é preciso considerar que a confiança da clientela italiana na praça financeira suíça foi abalada depois que o UBS e a Suíça forneceram uma lista de clientes americanos ao fisco dos Estados Unidos (IRS).

Tanto para Emanuelle Stauffer como para Franco Citterio, "esse clima de incerteza e a crise de confiança incitaram o ministro italiano das Finanças e da Economia a estimular o retorno da poupança da clientela italiana".

Segundo Martin Maurer, da Associação de Bancos Estrangeiros na Suíça, "esse clima, conjugado à morosidade econômica, sem dúvida explica os volumes repatriados".

O risco persiste

No entanto, no Ticino, algumas pessoas preferem qualificar essa hemorragia de capital de "copo meio cheio", e não o inverso. "Se aproximadamente 20% da poupança italiana administrada na Suíça deixou a praça financeira, melhor é destacar que 80% ficaram", diz um dos atores do mercado, que pediu anonimato.

Por enquanto, os banqueiros também estão prudentes e discretos. Eles sabem que se o prazo do scudo III for prolongado ou mesmo se for adotado um escudo IV, como preveem os mais pessimistas, provocará um regresso maior de capitais.

De fato, a tradição política Italiana é que, ao final de cada ano, o conselho de ministros adote às pressas um pacote denominado mille proroghe (as mil prorrogações), incluindo a anistia.

Riquíssimos estão protegidos

Uma medida desse tipo poderia convencer os mais hesitantes, ou seja, os detentores de grandes fortunas. Pelo menos é o que espera o ministro Giulio Tremonti. "Mas os que não quiseram repatriar suas fortunas nas anistias anteriores, também não o fariam agora", explica um advogado ítalo-suíço cuja parte da clientela possui capitais muito importantes.

"Essas antigas fortunas não são expostas à crise e seus detentores têm meios para não se preocupar", afirma o gestor financeiro.

O problema italiano

Outras pessoas do setor acham que o balanço é suficientemente satisfatório para que as autoridades italianas prolonguem a anistia. Mas é fato que a Itália está à beira de um abismo financeiro e não consegue mais cobrir suas despesas.

"A Itália está pior do que a Argentina, esse país à beira da ruína", afirmou dias atrás o político suíço Giuliano Bignasca, presidente da Liga dos Ticineses, à televisão suíça, criticando o ministro italiano Giulio Tremonti.

Sem ir tão longe na comparação, o Fundo Monetário Internacional (FMI) qualificou o scudo III de Giulio Tremonti de "manobra desesperada". Com ou sem a prorrogação da anistia, o governo italiano deverá, cedo ou tarde, enfrentar a raiz do problema. A Itália detém o recorde europeu de renda não declarada, à frente Romênia, da Bulgária e da Estônia.

Nicole della Pietra, Lugano, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

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