quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A entrevista de Dilma ao Financial Times (1)


Primeira parte de entrevista publicada na edição de 7 de setembro do diário britânico Financial Times:

Jonathan Wheatley: Primeiro, por que é este o melhor modelo para o Brasil e para o pré-sal?

Dilma Rousseff: Por que o que?

FT: Por que escolher esse modelo?

DR: Porque esse modelo é certo para a quantidade de petróleo que temos, para o pequeno risco exploratório e por causa dos altos níveis de retorno. Nós queremos manter uma parte maior dos lucros do petróleo.

FT: Vocês se inspiraram em outros modelos de outros lugares do mundo?

DR: Nós estudamos todos os modelos existentes. Cada país escolheu o modelo certo para sua própria história na indústria do petróleo e o que melhor se encaixa em suas necessidades. Somos um país com características próprias.

Desde o início de nossa história na indústria do petróleo havia uma grande interrogação sobre se tinhamos ou não petróleo. As pessoas diziam geralmente que não e que nossas condições geológicas significavam que não tínhamos petróleo. Por nossa conta e risco nós começamos a buscar petróleo em terra. E de fato foi um processo muito difícil. Nós fomos para a água e foi uma longa jornada, primeiro em águas rasas, depois em águas profundas, e agora em águas ultraprofundas.

Não tivemos transferência de tecnologia como outros países tiveram. Nós criamos as circunstâncias para chegar onde estamos, com o pré-sal. Ao produzir petróleo criamos uma grande companhia de petróleo com sua própria tecnologia. Ao mesmo tempo somos um país com uma base industrial diversificada e um grande mercado consumidor.

Agora temos uma oportunidade dupla. Podemos transformar a riqueza natural em riqueza social, para avançar a luta contra a pobreza. Nós acabaríamos com a pobreza no Brasil de qualquer forma, mas o pré-sal vai adiantar isso em anos porque teremos mais recursos para fazê-lo. Teremos educação de alta qualidade, vamos investir em ciência e tecnologia. E ao mesmo tempo temos a chance de criar um indústria de serviços e equipamentos para acrescentar valor ao nosso petróleo.

Assim, a grande pergunta é, o que deveríamos fazer para ficar com uma parte maior da renda do petróleo? Quando você tira petróleo do chão você cria riqueza, já que o custo de produção é muito menor que seu preço final. Quando você recupera os custos e dá um bom retorno ao capital investido, ainda sobra renda. A questão é quem deve ficar com essa renda extra. Escolhemos o modelo de produção compartilhada como forma de ficar com essa renda extra. Ao mesmo tempo temos claro os aspectos da geopolítica do petróleo.

FT: O que isso significa?

DR: O que isso significa? Que países produtores e países consumidores tem interesses distintos. E que hoje 77% das reservas estão nas mãos de companhias nacionais de petróleo, companhias estatais. É de nosso interesse garantir que quaisquer parcerias que o país fizer sejam de grande importância.

FT: Parcerias com?

DR: Com outros países, para fornecer petróleo. Para vender petróleo.

FT: Há algumas coisas que...

DR: Para suprir o mercado internacional de petróleo. Nós somos um país com instituições estáveis, com regras claras, que não rompe contratos, que estamos no Ocidente, e portanto somos um fornecedor de quem se pode depender. Eu não acredito que haja alguém que não queira uma relação conosco. Não estamos em uma área de turbulência, não temos conflitos étnicos e respeitamos contratos. Então, penso que somos extremamente atrativos.

FT: Qual será o papel de outras companhias na indústria de petróleo?

DR: Elas terão um papel importante. Por que? Porque essa é uma parceria que é de interesse para nós, mas é de nosso interesse em nossos termos. Não temos razão para acreditar que toda a renda tem de ser transferida para companhias internacionais de petróleo ou companhias nacionais de petróleo de outros países para atraí-las ao Brasil.

Sabemos que as companhias internacionais de petróleo sabem que as regras do jogo podem mudar quando se passa a uma situação de baixo risco exploratório e de grande lucratividade. Considere os dois grandes blocos que encontramos, Tupi e Iara. Em Tupi temos entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris; em Iara temos entre 2 e 4 bilhões de barris. Então eu te pergunto, por que não seria atrativo para as companhias internacionais de petróleo participar no processo do pré-sal se a questão estratégica de acesso às reservas é garantida por nós? Se você tiver 10 por cento de um bloco de 8 bilhões de barris você tem 800 milhões de barris. Quando você considera que um bloco é considerado grande de 500 a 600 milhões de barris, não vejo qual é o problema.

FT: Uma problema que me foi apresentado é de que as companhias estrangeiras não serão operadoras, elas serão convidadas para ser pouco mais que investidoras de capital.

DR: Não. Não. Elas serão convidadas a participar nos blocos de operação. Hoje, por exemplo, no pré-sal, por que uma companhia internacional de petróleo quer ser parceira da Petrobras?

FT: Para participar do risco e da recompensa?

DR: Não. Não. Porque elas ganham com a transferência de tecnologia da Petrobras. Qual é a diferença entre a Petrobras e qualquer outra grande companhia internacional de petróleo? A Petrobras faz 22% por cento da exploração em águas profundas do mundo. As outras duas companhias privadas mais próximas tem 14% cada. Assim, a Petrobras está no mesmo nível das grandes companhias internacionais de petróleo em termos de conhecimento das águas profundas. Mas aqui no Brasil qual é o grande diferencial? Você sabe qual é?

FT: Qual?

DR: Que a Petrobras conhece os campos sedimentários brasileiros em águas profundas. Já os conhece. E esse conhecimento, você sabe o que produz? Reduz riscos. Se você reduz o risco, você sabe o que isso produz? Alta rentabilidade. Por que argumentamos que a Petrobras deve ser a operadora? Porque ser a operadora significa ter acesso a tecnologia, ditar o ritmo de produção e, ao mesmo tempo, a adoção da tecnologia específica mais apropriada àquela área.

Não vemos qualquer obstáculo a que as companhias internacionais de petróleo participem conosco. Elas terão um papel ativo nos comitês operacionais, op com. Por que elas terão um papel fundamental? Porque... como trabalha o comitê operacional? Todo mundo se senta, certo? E discute o melhor... o operador vai, apresenta seu projeto operacional. E os outros, que tem conhecimento, sem qualquer dúvida, eles discutem se deveria ser desse jeito ou daquele. A Petrobras obviamente vai usar empresas de serviços como qualquer outra companhia internacional. As companhias tradicionais de serviços, como a Halliburton e outras.

FT: Um comentário que ouvi é de que no Golfo do México, nos Estados Unidos, há mais de 100 companhias operando e que elas se entenderam enquanto faziam. Elas desenvolveram tecnologia em parcerias, atuando, e há uma preocupação de que desde que essas companhias serão minoritárias em qualquer comitê de operação [no pré-sal] vão se dispor menos a trocar tecnologia.

DR: Posso dizer algo? Eu não penso que as tecnologias existentes e disponíveis são segredos tecnológicos. O que faz a diferença entre uma companhia e outra é o conhecimento que ela tem daquele campo, daquela região. Não temos exatamente uma companhia de baixa tecnologia na Petrobras. Se fosse assim não haveria explicação para o número de premios que a Petrobras ganhou da OTC (Conferência de Tecnologia Offshore); na verdade fui a um OTC em Houston para receber um deles, como presidente do conselho.

Assim, não acredito que haja qualquer questão sobre se a Petrobras será excluída de acesso a tecnologia. É muito pouco provável, se você é uma companhia que tem um campo e o que está em jogo é a renda de 600 milhões de barris, que você não vá investir nas melhores práticas. É pouco provável, ninguém dá tiro no próprio pé nessa área, ninguem. De outro parte, estou certa de que nessas parcerias, hoje, as pessoas estão minimizando o papel que todas essas companhias internacionais de serviços jogam. Elas estão sendo subestimadas. Porque nenhuma dessas companhias de petróleo opera sem elas, não que eu saiba.

FT: Ok. Outra dúvida que as pessoas tem é sobre a capacidade de investimento da Petrobras. De onde virá o dinheiro? E gostaria de entender essa questão do...

DR: De onde vem o dinheiro de uma companhia internacional de petróleo? O que você pensa?

FT: Dos acionistas, dos lucros...

DR: Uh uh, na na na. Do tamanho de suas reservas. Se você é um banco, a quem empresta? A uma que tenha reservas. Por que você acha que as pessoas emprestam à Petrobras? Hoje. Por que você acha que nós, no meio de uma crise, temos acesso a dinheiro? Esse argumento não tem base. A idéia de que as companhias de petróleo não vão investir... não acredito nisso por um minuto. Você acredita?

FT: Bem, não tenho opinião, mas pessoas expressaram dúvidas.

DR: Estou te perguntando se é plausível. É o que estou perguntando. A Petrobras terá acesso a financiamentos? Penso que sim. E acho que as companhias internacionais de petróleo vão participar desse investimento.

FT: Explique como a capitalização da Petrobras vai funcionar. São 5 bilhões de barris...

DR: Deixe-me voltar à questão do financiamento. Não estamos tirando as companhias internacionais de petróleo do investimento. É por isso que perguntei a você se é plausível. Estamos dizendo, olhe, venha e participe conosco porque você terá acesso a reservas enormes. A Petrobras será a operadora, o que reduz o risco por causa do conhecimento dela sobre os campos, e você terá um retorno adequado porque as reservas são grandes e você, a companhia internacional de petróleo, será capaz de colocar em seu balanço essas reservas às quais ganhará acesso nos leilões.

Vamos supor que a companhia obtém 600 milhões de barris, poderá registrá-los e será capaz de se financiar da mesma forma que a Petrobras. Então não acreditamos que o financiamento virá só da Petrobras, nem só das companhias internacionais de petróleo, nem só dos bancos. Virá da melhor combinação possível entre os três. É por isso que digo que não acredito ser plausível supor que se o arranjo é dessa forma ou daquela outra, isso vá reduzir o acesso ao capital. O que garante o acesso ao capital para uma companhia de petróleo e permite que ela se financie é precisamente a quantia de reservas de que dispõe.

FT: Mas a dúvida é...

DR: É um círculo virtuoso.

FT: Mas a dúvida é sobre de onde vem o capital que colocará esses poços em produção. Por exemplo, Tupi tem de 5 a 8 bilhões de barris. Se o custo de extração é de 10 dólares por barril, estamos falando de algo entre 50 e 80 bilhões de dólares, o que é um monte de dinheiro.

DR: Para um período de 35 anos. Ninguem tira tudo aquilo em um ano.

FT: Não, com certeza, mas...

DR: Seria fisicamente impossível. Deixa eu explicar.

FT: Mas há uma companhia [a Petrobras] que fica com de 30% a 100% de todo bloco...

DR: Deixa eu explicar. Tupi e Iara já estão sob concessão. Ok? Para a Petrobras, Tupi e Iara estão sob concessão. Assim, não fazem parte desse novo modelo regulatório.

FT: Sim...

DR: Na sua parte de Tupi e Iara, a Petrobras está investindo 174 bilhões de dólares até 2013. Certo?

FT: Não, é o total para tudo....

DR: São 174 bilhões de dólares sem contar o pré-sal. Isso é antes do pré-sal. Você sabe quanto a Petrobras levantou durante esse ano de crise? Foram 31 bilhões de dólares. Você sabe como levantou 31 bilhões de dólares? Vendeu petróleo adiantado à China [U$ 10 bilhões]. Ok? Nós colocamos 12,5 bilhões de dólares; 12,5 bilhões. O resto [a Petrobras] levantou no mercado. Levantou 31 bilhões de dólares. Ninguem no mundo levantou 31 bilhões de dólares. Entre fundos próprios, vendas adiantadas e acesso ao financiamento -- e não estou falando do pré-sal, que é um processo que vai levar décadas, isso é o pré-pré-sal.

FT: Mas o pré-sal em si vai requerer centenas de bilhões.

DR: Vai. Parte disso, vamos capitalizar. Estamos dando à Petrobras 5 bilhões de barris. Dos 5 bilhões de barris que a Petrobras terá, parte será de sua própria renda. Outra parte, vai mostrar a qualquer banco internacional que tem 5 bilhões de barris extras para dar de garantia. E [a Petrobras] tem um bom acesso às reservas do Brasil. O rating da Petrobras será bom.

FT: E...

DR: E te digo mais. Não há país no mundo com o qual conversamos recentemente onde... a grande pergunta é, como eu participo do pré-sal?

FT: Estive lendo a lei que você mandou para o Congresso e há um parágrafo dizendo que a União, através de um fundo criado por lei, pode participar em investimentos e atividades de produção. Que fundo é esse e como vai funcionar?

DR: Você tem familiaridade com o mecanismo norueguês?

FT: Sim.

DR: Quando eles ainda tinham grandes reservas, a Statoil era obrigada a ficar com 50%. Em alguns casos a União pôs dinheiro, em outros não. Em nosso modelo, em princípio, não adiantamos qualquer dinheiro. Mas, caso a caso, se decidirmos participar, poderemos. É assim que funciona. Deixe-me explicar o fundo. Todo o dinheiro que extrairmos do pré-sal irá para um fundo. Esse fundo vai gastar sua renda em várias atividades. Lutar contra a pobreza, investir em educação, ciência e tecnologia. Mas ao mesmo tempo também vai investir.

FT: Então é o mesmo fundo.

DR: Esse mesmo fundo precisa criar renda, tem que fazer seu dinheiro funcionar. Então pode investir em ações, em vários bônus internacionais, você pode fazer investimentos diretos. E quando esse fundo atingir um grande volume, pode ser que o investimento mais atrativo no Brasil seja no setor do petróleo. Por que não? Assim, em princípio, a União não coloca qualquer dinheiro, mas no futuro, se quiser, poderá.

VIOMUNDO

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