terça-feira, 5 de maio de 2009

O poder do AIPAC e os espiões de Israel


Argemiro Ferreira, para Carta Maior

Apesar dos indícios de que ocorreria, o abandono pelos promotores federais dos EUA - na sexta-feira, dia 1° - do caso de espionagem contra o AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), o mais poderoso lobby em Washington a favor de interesses de outro país (no caso, Israel) não deixou de ser insólito. Israel é o país mais beneficiado pela ajuda externa dos EUA, que se eleva a US$ 3 bilhões por ano.

Decisões recentes do tribunal tornando mais difícil a vitória judicial da promotoria - como alegou o Departamento de Justiça - podem estar entre as razões. Mas é revelador a desistência ocorrer alguns dias depois da notícia sobre uma gravação da secretíssima NSA (Agência de Segurança Nacional) devassando conversa comprometedora da deputada democrata Jane Harman com um agente de Israel que agia no AIPAC.

O grampo, segundo a notícia, tinha pilhado Harman, ativa e influente na comissão de Inteligência até 2007, a reivindicar junto ao AIPAC a presidência da comissão - do que Nancy Pelosi, hoje presidente da Câmara, discordava. O diálogo envolveu mais dois personagens do lobby. Eram eles Steven J. Rosen e Keith Weissman, os mesmos que oficialmente deixaram o AIPAC ao serem indiciados como suspeitos de espionar para Israel.

As relações promíscuas - e perigosas
Esse conjunto de dados escancara mais uma vez a promiscuidade nas relações entre o lobby israelense e altas autoridades dos EUA - democratas e republicanos, no Executivo e no Legislativo. Ao ser feita a gravação, meses antes, Weissman e Rosen já estavam formalmente desligados do AIPAC e eram alvos da investigação, sob a acusação de passar segredos dos EUA a agentes israelenses.

Outro detalhe: no último sábado, 2 de maio, começou no AIPAC uma conferência (sobre políticas e programas) à qual comparecem, entre outros, a própria Harman, o senador (e ex-candidato presidencial democrata) John Kerry, o ex-deputado republicano (ex-presidente da Câmara) Newt Gingrich (ex-marido de uma lobista do AIPAC) e um ex-diretor da CIA, James Woolsey, notório pregoeiro da invasão do Iraque.

Kerry e Gingrich são oradores nas sessões plenárias. Shimon Peres, presidente de Israel, é atração hoje, segunda-feira (talvez pela TV, via satélite). E o banquete de gala à noite promete Dick Durbin (democrata) e Jon Kyl (republicano), senadores em cargos de liderança em suas bancadas; Steny Hoyer (democrata) e Eric Cantor (republicano), deputados também das respectivas lideranças na Câmara.

Essa capacidade do AIPAC de exibir figuras chaves, tanto do Congresso como do Executivo, não é surpresa em Washington. Da mesma forma, nas campanhas presidenciais dificilmente um candidato deixa de comparecer ao AIPAC, de olho no apoio do eleitorado simpático a Israel. Em 2008 quem tinha chance de chegar à Casa Branca, inclusive Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain, lá esteve.

As intrigas e o veto a Charles Freeman
Também candidatos dos dois partidos ao Congresso às vezes recebem dinheiro do AIPAC para suas campanhas. Quando o milionário lobby israelense teme posições de um candidato, às vezes paga comerciais para atacá-lo e, ao mesmo tempo, faz doações a seu adversário. Houve dois casos notórios em 2002: os negros Cynthia McKinney (da Georgia) e Earl Hilliard (Alabama) perderam suas cadeiras depois de cinco mandatos.

Os dois denunciaram o papel do lobby de Israel. Em relação a McKinney, primeira africana-americana a ser deputada federal pela Georgia, pode ter influído ainda a veemente acusação dela ao presidente George W. Bush de ter sabido com antecedência sobre o terrorismo de 11/9 em Nova York e Washington. (Em 2008 ela se candidatou à Casa Branca pelo Partido Verde: só recebeu 161.603 votos).

A revelação mais recente dos detalhes sobre o grampo da deputada Jane Harman serviu para expor mais dados sobre a audácia do AIPAC. Steven Rosen foi citado na mídia como fonte das intrigas subterrâneas veiculadas na Internet contra a nomeação de Charles Freeman (pelo Diretor Nacional de Inteligência do governo Obama, Dennis C. Blair) para presidir o Conselho Nacional de Inteligência (NIC).

Após semanas de bombardeio, o próprio Freeman jogou a toalha - pediu para seu nome ser retirado. O NIC, grupo interministerial, reúne em avaliações conhecidas pelas iniciais NIE (National Intelligence Estimates) informações das 16 agências de espionagem. Israel temia Freeman, ex-embaixador na Arábia Saudita, por sua vasta experiência no Oriente Médio. Atacou-o ainda como próximo à China - e usou aquela palavra mágica, “anti-semitismo”.

Espião nos EUA, herói em Israel
Se necessário, o lobby israelense joga bruto. Quando está em jogo o sistema de inteligência dos EUA não brinca em serviço. Usa os políticos que apóia com sua força e doações de campanha - de certa forma, um retorno de parte dos bilhões enviados em ajuda externa graças a votos dos mesmos legisladores. Mas na área de inteligência, incomodada pela ousadia dos espiões israelenses, isso sempre gerou ressentimento.

A espionagem de Israel nos EUA é insólita se for levado em conta a dependência israelense da ajuda americana e o fato de ser a amizade entre os dois países proclamada com tanta frequência pelos dois governos. Antes da controvérsia mais recente em torno do AIPAC, acompanhada publicamente desde 2005, a mais notória tinha sido sobre a prisão do espião Jonathan Pollard, funcionário civil da Marinha americana.

Nascido nos EUA, Pollard tornou-se herói em Israel após ser condenado à prisão perpétua em 1987 por espionar para Israel. Feito cidadão israelense em 1995, só em 1998 admitiu ter sido espião. Desde Yithzak Rabin todos os governos de Israel tentaram libertá-lo. Tentados a atender, Bill Clinton e George W. Bush tiveram de desistir ante a indignação da CIA, Marinha e comunidade de informações. Sete ex-secretários da Defesa, até Dick Cheney, repudiaram a idéia.

Blog de Argemiro Ferreira

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