domingo, 14 de dezembro de 2008

Presidência de Bush termina 'só no sapatinho'


Bruno Garcez
Correspondente da BBC Brasil em Washington

Mas um jornalista iraquiano, sem temer pisar em falso, marcou, na base da botinada, a despedida do presidente dos Estados Unidos do palco internacional.

Tudo aconteceu um dia depois de o secretário de Defesa Robert Gates ter dito que a presença militar americana no Iraque está ‘‘no fim do jogo’’, em menção ao acordo estabelecido entre americanos e iraquianos, segundo o qual os soldados dos Estados Unidos marcharão para fora do Iraque em 2011.

Parecia em evento político como outro qualquer. Bush concedia uma entrevista coletiva em Bagdá, a um passo do premiê iraquiano, Nouri al Maliki.

Mas ele não sabia que, entre os presentes, havia um repórter que deve ter amanhecido com o pé esquerdo.

O profissional em questão se levantou e, aos gritos de “cachorro”, almejou seu calçado na direção do homem mais poderoso do mundo.

O iraquiano não jogou apenas um, mas os seus dois sapatos na direção do líder dos Estados Unidos e o fez demonstrando boa pontaria.

Bush, que, reza a lenda, costuma, com relativa regularidade, começar o dia se calçando para ir correr e pedalar, usou de agilidade para se desviar dos dois golpes desferidos pelo homem do “sapato-bomba”.

Talvez um dia venhamos a saber se o gesto do arremessador de sapatos foi um improviso ou um ato calculado passo a passo, contemplando o ângulo ideal e a a velocidade de um corpo em movimento.

Durante a campanha presidencial, Barack Obama acusou Bush de promover a invasão do Iraque de forma atabalhoada, julgando que as tropas americanas teriam fincado suas botas em terreno iraquiano com um passo pesado em vez de pé ante pé.

Em princípio, os militares dos Estados Unidos foram saudados por libertadores por muitos dos iraquianos mais vulneráveis, os mais pobres - os descamisados e e pés-descalços do país.

Cenas em que retratos de Saddam Hussein eram alvo de chineladas e sapatadas eram constantes nas TVs mundiais.

Golpear alguém com a sola do calçado é considerado um insulto supremo no mundo árabe.

Aos poucos, porém, o mesmo ressentimento que os iraquianos demonstravam para com Saddam foi se encaminhando em direção aos americanos, que se viram pisando em ovos.

Um dia talvez a história venha a confirmar a tese defendida por Bush e seus assessores de que a Guerra do Iraque foi um passo decisivo rumo à democracia no Oriente Médio.

Mas, ao menos na eleição deste ano, a maior parte da população americana julgou que o atual presidente cometeu uma série de tropeços na condução do conflito militar e da economia americana e decidiu optar por um outro rumo.

Aqui nos Estados Unidos, muitos ainda acusam Bush e o secretário do Tesouro Henry Paulson de terem dado passos bêbados em suas diversas tentativas de contornar a turbulência financeira.

Na política mundial, George W. Bush caminha a passos largos para os bastidores, mas em sua despedida, diz ter feito do Iraque um lugar mais livre e seguro.

Hoje em dia, segundo relatos, é cada vez maior o número de militares dos Estados Unidos que dizem adeus a Bagdá ainda de pé em vez de deitados em um caixão, e o de iraquianos que se sentem mais seguros em andar pelas ruas.

Mas a brutalidade do conflito e as várias dúvidas a respeito de suas reais motivações fizeram a imagem americana no Oriente Médio capengar.

Por isso tudo, a guerra do Iraque será para sempre a pedra no sapato do governo Bush – um fato que nos foi lembrado por um iraquiano que usou uma arma inesperadamente poderosa, o seu calçado.

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