terça-feira, 23 de setembro de 2008

Portugal vai ser pioneiro a nível mundial no aproveitamento da energia das ondas


Ricardo Garcia

Portugal é, a partir de hoje, o primeiro país do mundo a produzir, a sério, electricidade a partir das ondas.

Há muitos protótipos em teste em vários pontos do globo. Mas o parque das ondas da Aguçadoura, que é hoje inaugurado ao largo da Póvoa de Varzim, é pioneiro na produção eléctrica numa escala pré-comercial, a partir de equipamentos produzidos industrialmente. São três máquinas com tecnologia britânica, que oscilarão ao sabor das ondas, gerando electricidade que o fabricante diz ser suficiente para alimentar 1500 habitações.

O projecto da Aguçadoura arranca com uma pequena capacidade - 2,25 megawatts (MW), equivalente à de um único aerogerador de um parque eólico. É uma migalha no bolo energético nacional.

Mas sair na frente pode ser decisivo para o país. "É claramente um projecto pioneiro", afirma António Sarmento, do Centro de Energia das Ondas, uma associação privada que estuda e promove esta forma alternativa de produzir electricidade.

O projecto da Aguçadoura é uma aposta do grupo Enersis, que se dedica às energias renováveis em Portugal e que há alguns anos contratou uma nova tecnologia desenvolvida pela empresa Pelamis Wave Power, com sede na Escócia. A instalação dos equipamentos, prevista para 2006, sofreu sucessivos atrasos.

O primeiro acabou por ser colocado no seu posto, a cinco quilómetros da costa, apenas em meados de Julho passado. Uma segunda máquina foi instalada posteriormente. Ambas já estão a produzir electricidade. A terceira estará hoje ancorada no Porto de Leixões, para a cerimónia de inauguração. Depois, bastará rebocá-la e uni-la a um ponto de ligação, como uma ficha a uma tomada.

"Parque está operacional"

"O parque está operacional", afirma Rui Barros, responsável na Enersis pelo parque da Aguçadoura. O projecto prevê uma segunda fase, com mais 27 máquinas Pelamis, somando 20 MW. A empresa está a pensar mais alto e tem projectos para mais 550 MW ao longo da costa.

É mais do que os 330 MW que o Governo quer pôr à disposição de novos projectos pré-comerciais ou de demonstração, numa zona piloto para a energia das ondas, ao largo de São Pedro de Moel, Marinha Grande. Mas ainda não está operacional a entidade gestora que irá servir de interlocutor único para as empresas interessadas.

A entidade gestora possivelmente será uma sociedade a ser criada pela Rede Eléctrica Nacional. Os detalhes da concessão ainda não foram, porém, formalizados. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Economia e da Inovação, já está concluído um projecto de decreto-lei, que se encontra à espera de pareceres até ao final deste mês. "No início do mês de Outubro será iniciado o processo formal para aprovação do diploma em Conselho de Ministros", assegura o Ministério da Economia, numa nota enviada ao PÚBLICO.

A costa portuguesa tem potencial para a instalação de 5000 MW de potência em energia das ondas - 15 vezes a capacidade da zona piloto. Mas, para António Sarmento, do Centro de Energia das Ondas, o pontapé de partida com o projecto da Aguçadoura e a zona piloto "é um bom começo".

"Pode fazer diferença, dependendo do que o país conseguir fazer das iniciativas que estão a ser lançadas", diz António Sarmento. O desenvolvimento de novos projectos pode proporcionar não só a fabricação de componentes no país como o seu próprio desenvolvimento tecnológico, associado a patentes.

Além disso, as primeiras empresas a lançar-se, como agora a Enersis, estarão em melhores condições de abrir caminho no mercado. "Há aqui uma série de oportunidades, e a componente energia é apenas uma delas", diz Sarmento. Mas tudo isto, acrescenta o especialista, implica esforço em inovação, compartilhado entre empresas e o Estado.

62 tecnologias possíveis

Numa lista elaborada pelo Centro de Energia das Ondas, aparecem 62 possíveis tecnologias para o aproveitamento da energia das ondas. Algumas foram já testadas em Portugal, como a central de coluna de água oscilante da ilha do Pico, Açores, ou o sistema Archimedes, cujos ensaios deixaram um ponto de ligação eléctrica reaproveitado agora pelo projecto da Aguçadoura.

Em Peniche, está em curso uma nova experiência, da empresa portuguesa Eneólica. Um protótipo, com uma asa submersa que bascula com as correntes de fundo, foi alvo de testes em 2007 e 2008. Agora será instalada uma nova máquina, com três asas, numa escala piloto.

Os ensaios em Peniche aproveitam uma licença já existente, para a instalação de um megawatt de potência das ondas no local - fora da zona piloto da Marinha Grande.

Mas as atenções principais voltam-se agora para as máquinas Pelamis da Aguçadoura, que serão as primeiras a operar em contínuo, em regime pré-comercial, produzindo electricidade e injectando-a no sistema eléctrico nacional.

A empresa Pelamis Wave Power, detentora da tecnologia, tem dois outros projectos em curso no Reino Unido - na Escócia e na Cornualha -, mas num estádio menos avançado. "Esperamos construir mais máquinas dentro de alguns meses", afirma Max Carcas, director da empresa.

Um bom empurrão seria a segunda fase do projecto da Aguçadoura, que depende da Enersis. "Da nossa parte, gostaríamos de avançar o mais rapidamente possível", diz Max Carcas.

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